O segundo trailer do filme solo da princesa de themyscira chegou no melhor estilo amazona…quebrando tudo! Lançado no último dia 03, a propaganda de quase 3 minutos bastou não apenas para alimentar a aparentemente inabalável esperança dos fãs da DC, que continuam aguardando por um sucesso indiscutível, capaz de fazer frente ao poderio cinematográfico da concorrência. Ela também gerou uma série de discussões a respeito da direção que estaria sendo dada ao universo apresentado até aqui, e à própria personagem que, este ano, completa 75 primaveras de transformações, não por acaso, afinadas com as lutas e conquistas das verdadeiras guerreiras do dia-a-dia.
A ambientação num cenário de guerra romantizado, com cenas de ação vibrantes, e até uma dose de humor, vende a ideia de que desta vez a aposta será em algo mais aventuresco e heroico, talvez uma amostra do que se tem prometido para a vindoura Liga da Justiça. Contudo, apesar da bela execução da proposta, uma “pulga atrás da orelha” tem dividido opiniões: Aquela foto em preto e branco em meio a soldados…aquele clima…aquela paleta de cores…aqueles inimigos…aquele amor do passado…aquele escudo e aquela forma de lutar…hummm…não tem um cheirinho de Capitão América, o primeiro vingador aí?

Ei, é o Bucky ali? Ah, não…isso é a Primeira Guerra…outra coisa.
Bem, o trailer não foge da origem clássica da personagem, com várias referências à era de ouro. Naquela encarnação, a mulher-maravilha era, assim como todos os outros heróis, uma bandeira na luta contra o “eixo do mal”, enfrentando nazistas e espiões japoneses. Mas, apesar de sabermos que a guerra abordada no filme será a I e não a II, seria realmente necessário começar num flashback, de um ponto tão próximo ao já explorado e estabelecido pela Marvel como base para o universo solo do bandeiroso? Teria a DC fichas o bastante para superar o que já foi feito? Modernizar o começo, ou apenas pular para a fase mais física e mitológica da heroína não seria mais interessante?
A resposta para essas perguntas depende da perspectiva tomada. Se olharmos exclusivamente para a disputa entre as casas, as cifras envolvidas, a legião de fãs marvetes e a enxurrada de críticas ao que a DC trouxe até o momento, de fato, repetir a fórmula do vizinho como medida de segurança pode não ser o melhor caminho, soando até, talvez, como um gesto covarde. Não haverá espaço para desculpas e qualquer vacilo marcará o filme como uma cópia inferior, enterrando mais um pouco a moral do projeto.

Aguenta firme, Diana! O pessoal critica pesado…mas eu sou mais você!
Contudo, se focarmos na personagem a coisa muda totalmente de figura. Afinal, se ninguém ousa imaginar uma forma diferente de contar a história de um soldado que se tornou super para servir a pátria e o american way durante a segunda guerra, por quê haveria de ser diferente com ela, que, a bem da verdade, conseguiu dar um passo além nesse papel de “símbolo a ser seguido”.
A Mulher-Maravilha foi concebida do barro para ser uma super Rosie, a rebitadeira. Uma propaganda que não apenas alimentasse o ímpeto patriótico do povo americano, mas que engrossasse o coro dos movimentos sociais que visavam fomentar o sentimento de força e auto-estima feminina, algo que, apesar de ter início na revolução francesa, a partir das grandes guerras começou a ver seu valor admitido na marra. O “mundo dos homens” diante da realidade de milhões de jovens indo ao combate e deixando pra trás uma enorme lacuna na indústria, foi obrigado a se curvar e pedir socorro às mulheres. Mas, para que elas próprias pudessem se sentir aptas para a realização da tarefa a que estavam então sendo submetidas, o mal que séculos de opressão fizeram ao espírito feminino precisaria ser corrigido…e símbolos são um sutil começo.

As garotas de Themyscira!
Uma princesa imigrante que abandona um paraíso onde as mulheres são o poder, a lei e a ordem, para interceder, em nome do bem, num campo de batalha exclusivamente masculino, dando cabo dos malfeitores e horrores que eles sozinhos não conseguem resolver. Uma mulher tão super quanto qualquer super-homem. Eis aí a imagem da “mulher do futuro”, como o próprio William Moulton Marston, criador da personagem, costumava explicar. Alguém capaz de ocupar qualquer espaço na sociedade, com a competência e qualidade que sempre tiveram devidamente reconhecidas, sem, para tanto, ter sua feminilidade questionada.
Obviamente que um personagem de quadrinhos é um esforço ínfimo em vista de todas as reais ações que precisariam (e ainda precisam) ser tomadas de modo a se atingir a justa igualdade de direitos e oportunidades entre os gêneros, e sim, é nítido que esta manobra publicitária tinha muito mais a ver com o desespero econômico do que com a nobreza da questão. É verdade também que alguns pontos negativos da MM da era de ouro, como um rol de vilões e núcleo de apoio fraquíssimos, aumentam as dúvidas do público. Entretanto, deixar de falar dessa fase é, simplesmente, ignorar o início da História. É desperdiçar a chance de pincelar pra gurizada a origem de uma luta que se estende até hoje. Ver uma super-heroína surgir nos dias atuais, cercada por tantos exemplos do avanço que esses movimentos proporcionaram é bem fácil…contudo, é preciso falar do tempo em que as mulheres tinham suas almas guerreiras aprisionadas em vestidos finos e costumes estúpidos. Aquele é, sem dúvida, o lugar ideal para que a Mulher-Maravilha inicie sua lenda.

Como uma mulher luta com uma roupa dessas?
E isso é tão importante! Apesar dos holofotes apontarem para presidentas, astronautas e Beyoncés, ainda há tanto a se fazer! Um conservadorismo bizarro ecoa por todos os cantos, desesperado por abafar as transformações. Há um velho-novo “mundo dos homens” em curso, onde o certo é ser bela, recatada e do lar (leia-se: casar com um bom partido, engravidar e ser submissa). Enquanto isso meninas ao redor do globo que sonham com algo mais, precisam lidar com a realidade cinza, nas escolas, faculdades, empresas…campos de batalha em que o masculino ainda continua sendo endeusado sem nenhum fundamento racional que dê sentido a diferença. Em alguns casos, esses campos são ainda mais sombrios…às vezes dentro de suas próprias casas, submetidas a monstros disfarçados de pais.
É pra elas que as mulheres-maravilhas devem existir, mostrando que, no pior dos cenários, a força do espírito, do caráter e do sonho tem que prevalecer. E que uma garota, seja ela, Maria, Diana, Florence Nightingale, Ana Paula ou Valentina, pode ser a chave necessária para se mudar o mundo inteiro.
Torço para que o filme caminhe por aí.

Who run the world? Girls!