Ainda me lembro como se fosse hoje, enquanto zapeava canais de madrugada e vi a cena de dois jovens, ele americano que ia para Viena esperar o seu voo de volta para casa e ela que voltava para Paris depois de uma visita aos seus familiares no intervalo dos estudos, começavam a flertar num vagão de trem em meio a discussão de um casal de meia idade um pouco mais a frente. Esse plot abriu umas das sequencias mais lindas e realistas que vi em um filme sobre duas pessoas que se conhecem do nada.
Quem nunca se viu a imaginar como seria se tivesse descido do ônibus correndo e ido atrás daquela pessoa que você viu passar? Quem nunca se perguntou como seria se tivesse entrado naquela cafeteria e tentando puxar assunto com aquela pessoa que viu através da vitrine?
Essas perguntas nos perturbam e nos fazem pensar que em algum lugar, em algum momento você pode ter deixado passar a sua alma gêmea e nem sequer a conheceu, o que acabou fazendo você se adaptar ao que o mundo e o destino lhe ofereceu.
Nessa premissa os dois jovens resolvem arriscar tudo e mesmo sabendo que provavelmente não vão se encontrar mais na vida, resolvem se entregar ao momento e passam um dia inteiro pelas ruas de Viena se conhecendo literalmente, pois todo o enredo do filme se passa entre conversas, em tentativas de conhecer melhor e o máximo do outro e enquanto se revela o mais que pode.
Vemos dois jovens, de formações e anseios distintos, discutindo e respeitando a opinião adversa do outro com entendimento e compreensão pois aquele que está na sua frente ao ser conhecido se mostrou totalmente diferente dos princípios que guiaram o seu caminho até aquele momento.
Ironicamente ambos são exatamente ao contrario do que a vida lhes ofereceu até agora, são totalmente diferentes dos princípios que lhes foram pregados e apresentados, mas isso reflete mais o nosso jeito de não aceitar o que nos é imposto e a eterna luta de buscarmos o que achamos ser melhor do que o que temos.
Esse conhecimento íntimo e pessoal construído através de um diálogo infinito dos personagens no filme, que passa desapercebido pelo espectador, faz com que uma relação de carinho e admiração seja construída entre os personagens que é posto em cheque ao fim do filme na hora do trem partir. Entre promessas e juras de um reencontro em pouco tempo o filme se encerra com uma linda lição de respeito aos valores alheio e de como uma linda relação de admiração pode ser construída com um simples e franco diálogo, mesmo que interminável.
Assim termina Before Sunrise (1995)
Os anos passam para todos e ele nos cobra as consequências de nossas falhas pesadamente. Depois de nove anos, literalmente, os dois protagonistas daquele filme se reencontram. Ele acaba fazendo sucesso com um livro que contava a aventura dos dois e estava em Paris para a divulgação em uma tarde de autógrafos demonstra um pouco de amargura em meio as entrevistas e percebemos que aquele prometido encontro não aconteceu.
A presença figura da protagonista narrada no livro faz com que ele encerre a sessão de autógrafos e os dois repentinamente ainda com aquele olhar jovem tiram toda e qualquer expectativa de uma cena de cobranças e o que se segue então são novas sequências de caminhadas de conversas entre dois velhos amigos que se respeitam e vão aos poucos descobrindo os motivos que os fizeram se desencontrarem fortalecendo ainda mais a admiração que sentiam um pelo outro.
Todos nós mudamos com o tempo e acabamos nos transformado no que mais tememos porque sabemos que aquilo é possível. Assim em mais um dia de caminhada, agora pelas ruas de Paris, os nossos protagonistas voltam a se conhecer, revelando e descobrindo o máximo que podem um do outro, antes que o próximo voo para os Estado Unidos parta.
Reencontrar uma pessoa querida depois de um certo tempo requer muito cuidado, não para magoar, mas para não destruir a imagem que temos daquela pessoa em nosso íntimo, e reconstruir uma nova imagem linda e fiel o bastante para ser colocada no lugar daquela é um trabalho árduo. Mas como fazê-lo se essa pessoa é tão especial, quando você quer saber o máximo e não quer destruir a imagem que você havia guardado dela? Quando você só quer abraçá-la e não sabe se isso é agora ou foi a nove anos atrás?
O destino às vezes é cruel, mas às vezes eles nos dá chances que nos faz agarrar com unhas e dentes quando ele te revela que a distância e o tempo não são o suficiente pra destruir o respeito e a admiração que você sente e faz sentir. Em mais uma sequência infinda de diálogos o filme te leva a isso, à uma reflexão profunda do que fizemos para nós e para quem está próximo da gente, e o que estamos fazendo agora em relação a isso.
O dia chega ao fim junto com a certeza de que aquela pessoa que haviam conhecido, mesmo com o passar dos anos e as mudanças, ainda estava lá, que essa nova pessoa era tão maravilhosa quanto a que haviam conhecido, que o respeito mútuo construído outrora em diálogo ainda existia e a certeza de que alguém iria perder o voo de volta para casa.
Assim termina Before Sunset (2004)
As decisões que tomamos nos cobram caro e deixam marcas, mas ver como uma relação sincera pode ser construída, mantendo as opiniões individualizadas e pronta para serem colocadas a mesa para serem pesadas em favor do respeito mútuo é comovente.
O nossos protagonistas atingiram nesse momento a meia idade e se mostram amadurecidos, abertos e cativantes. A relação ainda aparece construída no diálogo, os frutos do trabalho individuais se mostram, mesmo que em círculos distintos, o diálogo ajuda a construir visões claras e adversas.
Os frutos do relacionamento estão colhido e outros estão já maduros, mas a vida ainda é a premissa, os problemas das pessoas já mudaram de novo e a medida que nos adaptamos a esse mundo mutável nos adaptamos a vida que o acompanha. Podemos parecer ser fruto do meio, mas a nossa horta pessoal nós cuidamos do jeito que queremos e plantamos nela o que queremos também.
Ainda há tempo para decisões as difíceis, mesmo que seja pouco, mas podemos tomá-las respeitando as necessidades do outro, conversando, e ainda tentando descobrir quem é aquela pessoa que tanto conhecemos e ainda assim consegue se mostrar uma linda descoberta como desejamos ser. Nessa nova sequencia de longos diálogos num grande tour por uma pequena cidade da Grécia, os dois nos mostram novamente não apenas mais um lindo roteiro mas também uma linda lição de que o tempo não é desculpa para se construir um distanciamento, onde o ponto mais distante que você consegue chegar e o de um abraço.
O amadurecimento não nos dá o direito de deixar de ser o que somos e nem de ser interessante à uma descoberta para o outro, de que somos o reflexo de nós mesmo em que depende de nós, mas é fundamental a independência deles. Podemos acompanhar, ensinar a jogar, mas não podemos andar por ninguém, e quando fazemos isso alguma coisa no meio do caminho se quebra.
Quando algo está errado a conversa é fundamental, o diálogo é imprescindível e quanto optamos por isso podemos perceber que o que nos cativava ainda está lá, que ainda é acessível e que basta esquecer esse mundo que nos molda e olhar para aquilo que moldamos para perceber que temos o total controle de tudo e o que importa na realidade é esse mundo que fizemos para nós. Não podemos deixa isso para o outro dia, precisamos abrir mão de nossos princípios pessoais e correr atrás do que queremos.
O tempo é um inimigo cruel para todos nós, leva aqueles que amamos, afasta quem queremos perto e essa busca de conhecimento alheio e pessoal é diária e nós não temos uma máquina do tempo que possa nos levar de volta para corrigir esses erros, ou pelo menos não queremos ter…
Assim termina Before Midnight (2014)
Before Sunrise, Before Sunset e Before Midnight são interpretados por Julie Delpy como Celine e Ethan Hawke como Jesse Wallace.