Revi há poucos dias o sensacional Superman 2, edição do Donner. Deve ter sido a trigésima vez que o assisto, e, curiosamente, algo novo me bateu. No fim, tive a sensação de que ao longo de todos esses anos tenho interpretado muito mal não só a história, mas a própria personalidade do herói. Isso caiu na minha nerdice como uma bomba, já que todos os argumentos que uso para questionar o que é feito com o Super no cinema tomam como base a “perfeição” trazida pelos clássicos.
Se perguntar pra mim quem é o Super definitivo, eu e mais uma galera boa diremos em uníssono: Christopher Reeve! E por quê? Ah…porque o Super dele é único. Tem uma inocência. Uma nobreza. Um caráter. Blá blá blá.
Chego a ficar constrangido com a minha cegueira, e me pego pensando: como pude questionar o super de Zack Snyder em “O homem de aço”, que mata o vilão sem dó, se o escoteiro do passado, dava mancada e, as vezes, me saia um tremendo canalha?
Sim. Superman de Donner é um homem super comum, com super erros comuns, e suas consequências são…bem…superlativas. Mas mesmo assim, por alguma razão, nós guardamos na memória emotiva a imagem de alguém muito maior do que isso tudo: O Cristo da DC.
A comparação feita entre o filho de Krypton e o filho de Deus é bastante batida. Desde a origem a influência messiânica trazida por Joe Shuster e Jerry Siegel é fortíssima, dando o norte para tantas adaptações posteriores. Brian Singer, por exemplo, no seu questionável “Superman Returns”, que tenta continuar a história do ponto de onde Donner parou, acaba, inclusive, apelando para alguns recursos visuais com a finalidade de reforçar essa ligação, colocando o herói acima do mundo, ouvindo os milhares de pedidos de socorro, e caindo dos céus na pose tão usada por artistas para retratar Jesus crucificado.
Essa analogia também é, portanto, trabalhada nos filmes antigos, especialmente no segundo, mas sobre uma perspectiva completamente diferente. Avessa, na verdade. Hoje entendo que o herói nunca foi uma divindade entre homens, mas um homem forçado a ser divindade, algo que Snyder chega a arranhar em BvsS.
No primeiro filme, de 78, já temos uma amostra, quando ele quebra as regras estipuladas pelo pai, voltando no tempo para salvar, principalmente, sua amada Lois.
Já no segundo a máscara cai literalmente, e tudo o que passa a importar na vida de Clark Kent é a sua paixão, e todas as suas decisões (terríveis por sinal) são movidas pelo calor das suas emoções humanas.
Toda a simbologia usada para firmá-lo como “o salvador prometido” é quebrada. Se Jesus subia ao monte para ficar sozinho e encontrar o Pai, Clark, por sua vez, transformou a fortaleza da solidão, seu monte, num lugar romântico para se abrir e ter uma noite de amor com sua namorada, envoltos em lençóis dourados. Se Jesus, no Getsêmani, teve seu momento de medo e angústia, em que pediu para que, se possível fosse, o cálice do sangue e da morte lhe fosse afastado, Clark, em seu momento de entrega carnal, pediu a Jor El que a responsabilidade lhe fosse tirada dos ombros para que pudesse ter uma vida comum e pacata. Se Jesus, apesar desse medo, e de saber de antemão toda a tortura e dor que lhe tocaria no dia seguinte, como o herói que é, declarou à Deus: mas que seja feita a Sua vontade, Clark, em seu turno, após ouvir um sonoro não, bateu pé e disparou a frase que melhor definiu sua fragilidade neste ponto: e se eu parasse de protegê-los?
Você pode, assim como eu, ter visto esse filme inúmeras vezes e nunca ter dado o valor devido a este trecho. Recomendo. Assista novamente…a cena é forte e belíssima. Christopher Reeve mostra que sabia exatamente quem era o seu personagem e o conflito que NÃO vivia ali, entregando um homem infantilizado pelo amor Eros. Sua expressão corporal. Sua cabeça baixa. Dane-se o mundo, papai. Dane-se tudo, papai. Ele só queria casar, ter filhinhos e engordar, comendo em pés-sujos. Ele nunca pediu pra ser um herói. Nunca quis ser Salvador de ninguém. Mas a responsabilidade de sua herança lhe foi revelada e ele até que tentou. Mas Lois sempre trouxe e sempre trará à tona a verdade de um coração humano típico e pecador.
Sim, eu sou cristão e amo Jesus, mas esse não é um texto pra se falar em religião, nem, tampouco, tento denegrir a imagem de Kal El, mesmo tendo o chamado de canalha lá em cima (cara…sabe-se lá quantas pessoas morreram no caminho de Zod, por conta de uma noite de amor).
Na real, esse afastamento da perfeição divina deu ao Superman, pra mim, uma dimensão inteiramente nova, e que permeia a história do personagem há tempos. Eu é que, congelado na minha versão ideal do azulão, me fiz intolerante a todas as versões diferentes daquela que me satisfazia. Só que nem mesmo essa versão de fato existiu. Doideira, né?
Logo, todo esse texto é na verdade uma crítica ao nosso olhar petrificado. Nós nerds somos assim, principalmente os saudosistas como eu. Apoiamos nossas opiniões firmemente sobre areia movediça. Nossa memória é falha e os olhos usados pra formar a imagem que guardamos na cachola não são mais os mesmos. Por isso é tão importante e bacana rever. Podemos nos decepcionar muito…verdade. Mas as vezes podemos nos maravilhar com algo inteiramente novo e bom naquilo que já era um “caso encerrado”. Contudo, para tanto, é preciso que exercitemos a humildade, reconhecendo que, beeeeeeeem raramente, podemos ter entendido errado.