Propósito, poder e responsabilidade

 

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Stan Lee foi uma grande inspiração, e, como tal, escrever sobre ele se torna não apenas uma obrigação, mas uma honra e um prazer. Um gesto que costuma levar autores de textos assim, sobre alguém tão querido, a um passeio íntimo, totalmente parcial, que acaba, sem querer, dizendo mais sobre o impacto do personagem homenageado em sua vida do que a uma biografia fiel. Tratando-se então de um mestre da fantasia, muitas vezes sua obra invade a realidade e o resultado é incrível, no sentido literal da palavra.

Tendo isso em vista, e em razão dos inúmeros textos fabulosos e historicamente muito mais confiáveis do que qualquer coisa que eu viesse a produzir, decidi debruçar num único ponto dentro de sua carreira que resumisse minha admiração e exaltasse sua marca na cultura pop. Contudo, o que deveria ser uma humilde homenagem póstuma, me conduziu a uma reflexão bem mais ampla sobre o universo dos heróis, e, principalmente, sobre o nosso próprio modo de viver nesse mundinho azul.

Assim, divido com vocês, amiguinhos, minhas divagações, sempre torcendo para não levar uma pedrada.

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“Com grandes poderes vem grandes responsabilidades”.

O lema do herói aracnídeo atravessou a quarta parede e se fincou no coração da humanidade como uma daquelas citações que povoam a Internet, prontas para socorrer almas aflitas e incapazes de se expressarem sozinhas. A coisa ficou tão séria que até no discurso do então Presidente Obama a frase já esteve.

Esta verdadeira profecia dita por tio Ben pouco antes de sua morte, tornou-se a chave de ignição para a transformação do jovem egoísta Peter Parker em Homem Aranha, o altruísta amigão da vizinhança. Um conselho simples, mas cheio de uma sabedoria que demanda vivência para sua plena compreensão. Esta pérola stanleeniana não é um mero “não contava com minha astúcia” ou um “para o alto e avante”. Tem uma filosofia fina aí no meio, alguns questionamentos realmente importantes, mas que passam batidos pelos olhos dos guris famintos por ação, fascinados pela primeira parte da sentença apenas: Poder.

Alguns podem dizer que, exatamente pela falta de experiência, o garoto Peter também não teria condições de entender naquela hora o brilhantismo do velho Ben. Afinal, o que um adolescente nerd franzino saberia sobre ter poder e suas consequências? Era preciso vir o destino para, numa picada, trazer sentido ao jargão.

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A partir daí, com superforça, saltos fantásticos e teias das mãos, tudo parece ficar claro. Há uma relação de equilíbrio, uma proporcionalidade, entre aquilo que você pode fazer e aquilo que é cobrado de você.

Isso não é mentira, mas tenho certeza de que, se Stan ficasse nesse nível, seus heróis não se tornariam os ícones que são. Em suas histórias, carregadas de fragilidade humana e relacionamentos fraternos e familiares, somos o tempo todo desafiados a questionar o óbvio para assim entendermos as reais motivações dos seus paladinos.

Grande Responsabilidade?

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Salvar Nova Iorque, ou quem sabe o mundo, é claramente uma baita responsabilidade. Mas como fazemos para medir o tamanho de uma responsabilidade em face de outra? Quem é maior, o fantasiado que luta contra os vilões nos céus da cidade, ou os médicos e enfermeiros que, lá embaixo, atendem aos feridos das Pedras que se desprendem dos prédios por onde os combates se desenrolam? Quem é maior, o herói cientista que usa sua genialidade para encontrar um isótopo capaz de neutralizar o inimigo, o bioquímico que encontra a vacina para a cura de uma doença, ou a professora do primeiro ano que ensinou ambos a lerem? Quem é maior, o rapaz balançando na teia, ou o casal que acolheu o menino e o educou após o desaparecimento dos seus pais?

Bem…nenhum de nós pode ver o futuro (eu acho), e, desta forma, não podemos definir qual o tamanho das ondas geradas por nossas ações. O fato é que nossas responsabilidades estão ligadas no universo, e muitas vezes aquilo que não damos tanto valor por não ter toda a pirotecnia que nos encanta, é, na verdade, o elo mais importante de uma corrente fabulosa, assim como uma caminhonete vermelha que para numa estradinha do Kansas para salvar um bebê do meio de uma cratera fumegante.

E sabe? Na maioria das vezes essas “grandes responsabilidades” não exigiram um “grande poder” do seu herói. Aliás, até pediram, mas não um daqueles que você e eu tínhamos em mente quando líamos o Aranha repetindo o seu mantra.
É bastante óbvio o que vou falar agora, mas, acredite, muita gente ainda não se tocou:

Tio Ben manda a sua fala sem saber que Peter Parker é o Homem Aranha!

Então, fica muito claro que aquele senhor não se referia a nada sobre- humano. O poder que ele destacava ali era algo que antecedia a aranha radiativa, e que, provavelmente, seguiria se desenvolvendo em seu sobrinho, sendo ele um super ou não! Sua inteligência. Sua educação. Seu caráter. Esses verdadeiros superpoderes, nascidos do amor, não vêm de graça. Eles surgem e se moldam para atenderem a um propósito, e esta é sim a tal grande responsabilidade.

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Esse pensamento se amarra a outro, devo confessar, fruto de uma filosofia muito pessoal.

Eu creio num propósito. Não consigo ver prova em nenhum lugar na natureza de que o caos supere a ordem. Tudo é movido por um senso de finalidade, e nós, por toda a poluição sonora que o orgulho, prepotência e arrogância produzem, por vezes nos tornamos brutos… insensíveis. Nosso trabalho em vida é silenciar esse alvoroço para enfim escutarmos a poderosa voz que emerge do fundo dos escombros do nosso deturpado DNA, que decreta retumbante: Eis aí o seu porquê!

Desta forma, me atrevo a fazer um adendo à emblemática frase do Sr. Lee/Ben:

Grandes propósitos levam a grandes poderes, e estes a grandes responsabilidades.

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Pra mim essa é uma noção fundamental. Começar pelo poder leva ao engano. Você pode pensar que Bruce Wayne jamais seria Batman se não fosse um milionário, ou que Hal Jordan jamais salvaria o mundo sem o seu anel, ou mesmo que nenhuma criança jamais chegaria a se tornar presidente de um país se saísse de uma escola pública.

Não! Quando aquela voz grita lá dentro, nosso universo inteiro se move. Tem que se mover, ou você morre sem nunca ter vivido. Ok…para alguns realmente as ferramentas caem no colinho, nascendo na família certa, ou sendo atropelados pelo caminhão de produtos tóxicos exato. Mas isso não tira dos meros mortais o direito de brigar para obter o seu poder, ou, melhor dizendo, sua capacitação! Não podemos aceitar de braços cruzados que somente sobre os ombros de alguns poucos felizardos repouse a glória, e que, por não termos essa “sorte”, também não assumamos nenhuma responsabilidade, pequena ou grande, seguindo no modo “deixa a vida me levar”.

Talvez seus atos não atinjam o mundo da forma como sonhou, com a amplitude que idealizou, mas uma ondinha que seja na realidade, pode e será o bastante para impulsionar uma infinidade de histórias. E você estará lá, como um elo, uma conditio sine qua non.

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Enfim, apesar de soar como crítica, esse texto de verdade é um agradecimento. Pois os quadrinhos me ensinaram muito. Sem exageros, ajudou a formar o homem que sou hoje, e Stan Lee entra na minha vida como um dos meus principais educadores. E foi assim, lendo suas histórias, nas quais a fragilidade dos personagens os faziam tão reais e próximos a mim, e nas suas lutas internas, que quase nunca eram resolvidas com poderes, que fui capaz de encontrar um sentido pessoal no “grandes poderes, grandes responsabilidades”. Sentido esse que está fundido a mim, servindo como bússola natural, e que aqui compartilho:

Descubra-se. Lute para obter os meios para dar vazão a sua descoberta. E, pronto, assuma a responsabilidade de cumprir o seu papel.

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